31 de janeiro de 2008

Um belo poema de Alberto Caeiro.


V - Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada

Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.


Alberto Caeiro - O Guardador de Rebanhos.


*Alberto Caeiro é heterônimo de Fernando Pessoa.

25 de janeiro de 2008

"Ao comer uma manga" ou se preferir "O fruto proibido".

Morei num lugar onde tinha muitas árvores, dessas a minha preferida era Mangueira, não pela árvore em si e sim pelos frutos. Como gosto de manga. Nem tenho dúvida que seja a melhor fruta para simbolizar o fruto proibido, quem é que nunca foi tentado em atirar uma pedra pra derrubá-la da árvore seja o primeiro que atire em mim. Ao ler no relato bíblico que o fruto é agradável aos olhos e desejável, acabo saindo do campo da especulação e acreditando que o fruto é de uma Mangueira – manga rosa “ainda por cima”. Não há quem resista essa saborosa fruta, é assim hoje e desde tempos mais remoto.

“De toda árvore do jardim comerás livremente... (Gn 2:16)” Seguia a risca essa ordenança mesmo contrariando a lei donde morava. O Criador disse pra comer e quem sou eu pra contrariar? Como vê, texto fora do contexto é um ótimo pretexto para se comer uma fruta, e como eu comia.

A lei permitia comer somente das frutas caídas, na atitude de um anjo caído atirava manga verde nas do pé, nem preciso vos lembrar daquele ditado “manga verde em manga madura tanto bate até que cai” no chão e me delicio. Como é bom pecar: “pecar” – “pegar” – é só mudar uma letra... Quando cansava de pegar as mangas do chão, para variar um pouquinho pegava as da cozinha do seminário, que é totalmente proibido.

Sei que são nas pequenas atitudes que revelam o que de verdade há em nosso coração. No meu, além do forte desejo de comer do fruto, também havia em certo sentido rebeldia. Não aceitava certas regras e acreditava – e ainda acredito – que Jesus concordaria em parte comigo, foi Ele que criticou muitas vezes as atitudes dos fariseus em relação à lei, ao invés de conduzir o homem a Deus o afastava. Os fariseus colocavam a lei diante de um altar e fazia dela ídolo, ferindo um dos mandamentos de Deus.

A lei que prevalece pra Deus é a do amor. Sendo assim a vida era e é muito mais importante. É isso que os fariseus não entendiam e nem os reitores de lá. O objetivo da lei não é o de atrapalhar a vida das pessoas, mas de ajudar. A lei ajuda-nos a perceber que precisamos de ajuda (revela nossa maldade). Somos nós que “vira e mexe” gostamos de dificultar ainda mais a vida dos outros e transformamos o paraíso num lugar insuportável de se viver, nesse sentido é que acredito que a lei acaba operando em nós a ira – aproveitando as palavras do Apostolo Paulo. A vida em si já é difícil, porque dificultar ainda mais? Tem hora que creio que os seres humanos têm esse dom. Nem sei se posso chamar isso de dom, mas tudo bem. Claro que esse dom tem propósitos, e ao meu ver acontece pela razão de todos os seres humanos estarem à procura do paraíso e estão dispostos a tudo para alcançá-lo. Se para viverem em seus paraísos particulares alguém precisa pagar, que outro pague, não é assim a lei que opera na nossa sociedade? Tem também aquela questão de termos dificuldade de aceitar a graça divina, entretanto isso abordaremos mais para frente.

Gosto de Jesus Cristo. Sua sabedoria me fascina e seu caráter... “nem se fala!”. Conhece o coração humano, sabe o que de verdade acontece lá dentro e nesse conhecimento deu até uma bronca nos fariseus, os chamando de hipócritas, pois por mais que fossem fieis nos dízimos das hortaliças não obedeciam aos mandamentos de suma importância, “que são: o de serem justos com os outros, o de serem bondosos e o de serem honestos... (NTLH Mt 23:23)”. Não estou querendo justificar meus atos, sou o “pegador” de manga confesso. O que acho inaceitável é o que somos capazes de fazer com a lei, o que era para ser algo bom é distorcido e “mudamos a verdade de Deus em mentira (Rm 1:25)”. Muitas vezes carregados de boas intenções, mas como ouvimos por ai: “De boas intenções o inferno está cheio”.

Tirando outro texto fora do contexto mais na crença de não estar fazendo nada de errado, tem aquele texto de Paulo de que “nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento”, onde se podem tirar lições preciosas sobre a graça. Pois é, graça é isso. Não é pelo que fazemos ou deixamos de fazer, mas o que Deus vive fazendo por nós. Por mais que não mereçamos as mangas da vida, pois muitas vezes não regamos, não plantamos e nem adubamos, coube a Deus nos agraciar. Não se pode esquecer que é Ele que dá o crescimento.

Muitas vezes é preferível deixar as frutas estragarem, ou a satisfação de pegar um seminarista ou “seja lá quem for” com a ‘mão-na-manga’ e trazer uma lição de moral do que viver pela graça. Tenho aprendido a ter paciência com essas pessoas que se alimentam ainda de leite, um dia comeremos juntos não somente do fruto da mangueira, mas também da árvore da vida. Talvez hoje o medo desses meninos e meninas de comer manga é aquela lenda de misturar leite com manga (tem gente que diz tratar-se de uma mistura perigosa), não cabe a eu julgar.

Tudo começou ao comer uma manga. As frutas em geral têm esse poder de nos dar um tipo de entendimento. Descobrir coisa que até então não sabíamos. Proporcionar minutos festivos. Trazer momentos de reflexão e de aprendizado. É claro, dependerá de como vemos o fruto, pois se encararmos como um fruto comum, então, será comum. Por isso minha oração ao nosso mestre é que nos ensine o fabuloso milagre de transformar água em vinho. Precisamos diariamente desse milagre para tornar as ocasiões de nossa vida realmente significantes.

Lembre-se: O pecado dos nossos antepassados não estava no fruto e sim no coração.


PS.: Seria injusto terminar e não vos falar que a lei hoje tem se tornado flexível enquanto o comer das mangas, mas no fundo continua sendo má. O problema não está na manga, não está nas leis e nem na instituição, está em nós.

Minha teologia...

Minha teologia nada tem a ver com teologia.
É vício.
Há muito que deveria ter abandonado este nome.
E dizer só poesia, ficção.
Descansem os que têm certezas.
Não entro no seu mundo e nem desejo entrar.
Jardins de concreto me causam medo.
Prefiro a sombra dos bosques
e o fundo dos mares,
lugares onde se sonha....
Ali moram os mistérios
e o meu corpo fica fascinado.

Rubem Alves em "Sobre deuses e caquis".

15 de janeiro de 2008

Volta à cidade.

Eu voltei, ainda não sei se é pra ficar. Voltei ao Rio de Janeiro e o Cristo Redentor recebeu-me do mesmo modo de sempre – de braços abertos. Onde pude até imaginar uma linda ilustração sobre a graça, nesses últimos quatros anos tenho verificado que por mais tempo que fico longe, o Cristo sempre está de braços aberto lá no Corcovado a minha espera. Já dizia o Apostolo Paulo “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus (EF 2:8)”, realmente a graça é dom de Deus. A Graça tem essa graça de tornar Deus em estatua (não me entenda literalmente), assim seus braços estarão sempre abertos para nos receber. Ele é como o pai da parábola do filho pródigo, sempre lá a espera, não porque mereçamos, mas por ser esse o seu dom. E finalmente, quando a Ele nos achegamos, a estatua de pedra cordialmente transformasse numa rocha para fazermos moradas.

É gente, voltei ao Rio, pois meu curso de teologia findou-se. E uma das perguntas que mais ouço desde que cheguei é “Já está sentindo saudades?”, digo que a ‘ficha’ não caiu, mas que já tenho sentido saudades de alguns amigos. Pedem também para fazer uma retrospectiva desses anos e respondo somente com duas palavras: Tenho aprendido. Claro que não ficam satisfeito somente com isso, assim tento explicar, falo da teologia do poeta de que “somos eternos aprendizes”, e de que Deus nos criou como seres em desenvolvimento, por isso sempre teremos algo para aprender seja nessa vida ou na outra, seja no seminário ou fora. Alias, o seminário só difere porque estudamos a Bíblia, mas o que aprendi lá poderia aprender fora. Não sai mais inteligente, apenas deixei de ser menos ignorante. E vocês não sabem o como isso é terrível! Descobrir que não sou tão perfeito como pensava, que é impossível prender Deus em redes teológicas, pois Deus é vento – Essa aprendi com Rubem Alves. Embora seja terrível devo admitir que esse conhecimento também é maravilhoso, pois significa que a vida sempre nos surpreenderá, repito, sempre teremos algo para aprender. Querer saber de tudo é invocar o tédio para si, eu, por exemplo, se chegar a esse nível peço então a morte.

Estou lembrando agora de uma conversa com uma amiga, ela relutando comigo de que não tem como sentir saudades somente dos amigos e nem um pouco do seminário, falei que conseguia pela razão de não ter o apego à instituição e sim pela vida. Mas ela teimava porque tanto uma parte da minha vida como a dela foi dentro dessa estrutura, vivi com meus amigos tanto dias de alegria como de tristeza lá dentro, na verdade os conheci lá, ganhei até um irmãozinho que mesmo sendo maior que eu, não importava de ser chamado no diminutivo. Pensando bem, o sistema foi bom comigo, ele me aproximou das pessoas, mesmo sem saber, mas aproximou. Infelizmente, fui machucado nesse lugar. Como no filme ‘Guerra nas Estrelas’, conheci um pouco “do lado negro da força” e que deixou marcas, talvez porque aconteceu tudo recentemente ainda guarde ressentimento. Mas isso, creio que com tempo vai indo... e indo... quando vê, já foi. O tempo é sempre um bom remédio nessas horas. Quem sabe um dia também tenha saudades de Nárnia (apelido dado ao seminário por alguns seminaristas).

Hoje, a única estrutura que sentirei saudades de lá é a da natureza, estrutura criada pelo divino. Sentirei saudade de toda aquela vida, onde podia ver homem e a natureza tentando viver em equilíbrio. Óbvio que estou romantizando, até ali percebo essa falta de harmonia, e o engraçado que fomos chamados por Deus para cuidar do jardim. Eu mesmo só despertei de uns anos para cá essa nossa vocação. Teve até um dia que meus amigos perguntaram se estava maluco, pois me viram parado olhando a copa de uma árvore contra o céu azul. Sentirei saudade daquele contato com a natureza. Como era bom acordar junto com o sol e sentir logo cedo o cheiro do orvalho, as noites deitado na quadra olhando para a lua e as estrelas, as aventuras no meio da mata, o canto da Seriema, as mangas de tão madura que se jogavam em meu colo proporcionando momentos de puro prazer.

Vida urbana é triste. Deve ser porque toda a vida está enterrada debaixo do cimento. A saudade do Jardim do Éden é a dor mais secreta do ser humano. Desde o momento em que aconteceu o rompimento do homem com Deus, encontrar o paraíso tem sido nossa maior obsessão. Albert Camus chama isso de nostalgia do paraíso perdido. No fundo, todos nós buscamos esse paraíso, só que nem sempre procuramos no lugar certo. Mesmo nós como cristão é normal sentir essa saudade, a diferença é que temos esperança, estamos no caminho certo. Enquanto esse dia não chega praticarei um novo hobby, cultivar árvore. Ganhei um muda de ipê amarelo e percebi que poderá ser um grande exercício de esperança. Talvez não veja suas flores, mas pensar que num futuro outras pessoas serão agraciadas por sua beleza bastará para me fazer feliz. Aí levanto uma prece ao Pai, peço o dom da visão, pois quero ver pequeno deslumbres desse paraíso, e deparo com o sorriso de uma criança, a prece muda de tom, torna-se agora uma canção “Ora vem, Senhor Jesus (AP 22:20)”.

14 de janeiro de 2008

O Pacto de Lausanne.

Lausanne, na Suíça é o lugar em que ocorreu Congresso Internacional em 1974. Líderes cristãos de 150 países compareceram, e daí surgiu o Lausanne Committee for World Evangelization (Comitê de Lausanne para a Evangelização Mundial). Esse congresso também estabeleceu um pacto, este que você lê abaixo. Este pacto foi assinado por 2.300 evangélicos que se comprometeram a ir mais a fundo no compromisso com a evangelização mundial. Desde então o pacto tem sido uma referência para igrejas e missões.


Introdução:

Nós, membros da Igreja de Jesus Cristo, procedentes de mais de 150 nações, participantes do Congresso Internacional de Evangelização Mundial, em Lausanne, louvamos a Deus por sua grande salvação, e regozijamo-nos com a comunhão que, por graça dele mesmo, podemos ter com ele e uns com os outros. Estamos profundamente tocados pelo que Deus vem fazendo em nossos dias, movidos ao arrependimento por nossos fracassos e dasafiados pela tarefa inacabada da evangelização. Acreditamos que o evangelho são as boas novas de Deus para todo o mundo, e por sua graça, decidimo-nos a obedecer ao mandamento de Cristo de proclamá-lo a toda a humanidade e fazer discípulos de todas as nações. Desejamos, portanto, reafirmar a nossa fé e a nossa resolução, e tornar público o nosso pacto.


1. O Propósito de Deus:

Afirmamos a nossa crença no único Deus eterno, Criador e Senhor do Mundo, Pai, Filho e Espírito Santo, que governa todas as coisas segundo o propósito da sua vontade. Ele tem chamado do mundo um povo para si, enviando-o novamente ao mundo como seus servos e testemunhas, para estender o seu reino, edificar o corpo de Cristo, e também para a glória do seu nome. Confessamos, envergonhados, que muitas vezes negamos o nosso chamado e falhamos em nossa missão, em razão de nos termos conformado ao mundo ou nos termos isolado demasiadamente. Contudo, regozijamo-nos com o fato de que, mesmo transportado em vasos de barro, o evangelho continua sendo um tesouro precioso. À tarefa de tornar esse tesouro conhecido, no poder do Espírito Santo, desejamos dedicar-nos novamente.


2. A Autoridade e o Poder da Bíblia:

Afirmamos a inspiração divina, a veracidade e autoridade das Escrituras tanto do Velho como do Novo Testamento, em sua totalidade, como única Palavra de Deus escrita, sem erro em tudo o que ela afirma, e a única regra infalível de fé e prática. Também afirmamos o poder da Palavra de Deus para cumprir o seu propósito de salvação. A mensagem da Bíblia destina-se a toda a humanidade, pois a revelação de Deus em Cristo e na Escritura é imutável. Através dela o Espírito Santo fala ainda hoje. Ele ilumina as mentes do povo de Deus em toda cultura, de modo a perceberem a sua verdade, de maneira sempre nova, com os próprios olhos, e assim revela a toda a igreja uma porção cada vez maior da multiforme sabedoria de Deus.


3. A Unicidade e a Universalidade de Cristo:

Afirmamos que há um só Salvador e um só evangelho, embora exista uma ampla variedade de maneiras de se realizar a obra de evangelização. Reconhecemos que todos os homens têm algum conhecimento de Deus através da revelação geral de Deus na natureza. Mas negamos que tal conhecimento possa salvar, pois os homens, por sua injustiça, suprimem a verdade. Também rejeitamos, como depreciativo de Cristo e do evangelho, todo e qualquer tipo de sincretismo ou de diálogo cujo pressuposto seja o de que Cristo fala igualmente através de todas as religiões e ideologias. Jesus Cristo, sendo ele próprio o único Deus-homem, que se deu uma só vez em resgate pelos pecadores, é o único mediador entre Deus e o homem. Não existe nenhum outro nome pelo qual importa que sejamos salvos. Todos os homens estão perecendo por causa do pecado, mas Deus ama todos os homens, desejando que nenhum pereça, mas que todos se arrependam. Entretanto, os que rejeitam Cristo repudiam o gozo da salvação e condenam-se à separação eterna de Deus. Proclamar Jesus como "o Salvador do mundo" não é afirmar que todos os homens, automaticamente, ou ao final de tudo, serão salvos; e muito menos que todas as religiões ofereçam salvação em Cristo. Trata-se antes de proclamar o amor de Deus por um mundo de pecadores e convidar todos os homens a se entregarem a ele como Salvador e Senhor no sincero compromisso pessoal de arrependimento e fé. Jesus Cristo foi exaltado sobre todo e qualquer nome. Anelamos pelo dia em que todo joelho se dobrará diante dele e toda língua o confessará como Senhor.


4. A Natureza da Evangelização:

Evangelizar é difundir as boas novas de que Jesus Cristo morreu por nossos pecados e ressuscitou segundo as Escrituras, e de que, como Senhor e Rei, ele agora oferece o perdão dos pecados e o dom libertador do Espírito a todos os que se arrependem e crêem. A nossa presença cristã no mundo é indispensável à evangelização, e o mesmo se dá com aquele tipo de diálogo cujo propósito é ouvir com sensibilidade, a fim de compreender. Mas a evangelização propriamente dita é a proclamação do Cristo bíblico e histórico como Salvador e Senhor, com o intuito de persuadir as pessoas a vir a ele pessoalmente e, assim, se reconciliarem com Deus. Ao fazermos o convite do evangelho, não temos o direito de esconder o custo do discipulado. Jesus ainda convida todos os que queiram segui-lo e negarem-se a si mesmos, tomarem a cruz e identificarem-se com a sua nova comunidade. Os resultados da evangelização incluem a obediência a Cristo, o ingresso em sua igreja e um serviço responsável no mundo.


5. A Responsabilidade Social Cristã:

Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela conciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de todo tipo de opressão. Porque a humanidade foi feita à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes considerado a evangelização e a atividade social mutuamente exclusivas. Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão. Pois ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando as pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem procurar não só evidenciar mas também divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta.


6. A Igreja e a Evangelização:

Afirmamos que Cristo envia o seu povo redimido ao mundo assim como o Pai o enviou, e que isso requer uma penetração de igual modo profunda e sacrificial. Precisamos deixar os nossos guetos eclesiásticos e penetrar na sociedade não-cristã. Na missão de serviço sacrificial da igreja a evangelização é primordial. A evangelização mundial requer que a igreja inteira leve o evangelho integral ao mundo todo. A igreja ocupa o ponto central do propósito divino para com o mundo, e é o agente que ele promoveu para difundir o evangelho. Mas uma igreja que pregue a Cruz deve, ela própria, ser marcada pela Cruz. Ela torna-se uma pedra de tropeço para a evangelização quando trai o evangelho ou quando lhe falta uma fé viva em Deus, um amor genuíno pelas pessoas, ou uma honestidade escrupulosa em todas as coisas, inclusive em promoção e finanças. A igreja é antes a comunidade do povo de Deus do que uma instituição, e não pode ser identificada com qualquer cultura em particular, nem com qualquer sistema social ou político, nem com ideologias humanas.


7. Cooperação na Evangelização:

Afirmamos que é propósito de Deus haver na igreja uma unidade visível de pensamento quanto à verdade. A evangelização também nos convoca à unidade, porque o ser um só corpo reforça o nosso testemunho, assim como a nossa desunião enfraquece o nosso evangelho de reconciliação. Reconhecemos, entretanto, que a unidade organizacional pode tomar muitas formas e não ativa necessariamente a evangelização. Contudo, nós, que partilhamos a mesma fé bíblica, devemos estar intimamente unidos na comunhão uns com os outros, nas obras e no testemunho. Confessamos que o nosso testemunho, algumas vezes, tem sido manchado por pecaminoso individualismo e desnecessária duplicação de esforço. Empenhamo-nos por encontrar uma unidade mais profunda na verdade, na adoração, na santidade e na missão. Instamos para que se apresse o desenvolvimento de uma cooperação regional e funcional para maior amplitude da missão da igreja, para o planejamento estratégico, para o encorajamento mútuo, e para o compartilhamento de recursos e de experiências.


8. Esforço Conjugado de Igrejas na Evangelização:

Regozijamo-nos com o alvorecer de uma nova era missionária. O papel dominante das missões ocidentais está desaparecendo rapidamente. Deus está levantando das igrejas mais jovens um grande e novo recurso para a evangelização mundial, demonstrando assim que a responsabilidade de evangelizar pertence a todo o corpo de Cristo. Todas as igrejas, portando, devem perguntar a Deus, e a si próprias, o que deveriam estar fazendo tanto para alcançar suas próprias áreas como para enviar missionários a outras partes do mundo. Deve ser permanente o processo de reavaliação da nossa responsabilidade e atuação missionária. Assim, haverá um crescente esforço conjugado pelas igrejas, o que revelará com maior clareza o caráter universal da igreja de Cristo. Também agradecemos a Deus pela existência de instituições que laboram na tradução da Bíblia, na educação teológica, no uso dos meios de comunicação de massa, na literatura cristã, na evangelização, em missões, no avivamento de igrejas e em outros campos especializados. Elas também devem empenhar-se em constante auto-exame que as levem a uma avaliação correta de sua eficácia como parte da missão da igreja.


9. Urgência da Tarefa Evangelística:

Mais de dois bilhões e setecentos milhões de pessoas, ou seja, mais de dois terços da humanidade, ainda estão por serem evangelizadas. Causa-nos vergonha ver tanta gente esquecida; continua sendo uma reprimenda para nós e para toda a igreja. Existe agora, entretanto, em muitas partes do mundo, uma receptividade sem precedentes ao Senhor Jesus Cristo. Estamos convencidos de que esta é a ocasião para que as igrejas e as instituições para-eclesiásticas orem com seriedade pela salvação dos não-alcançados e se lancem em novos esforços para realizarem a evangelização mundial. A redução de missionários estrangeiros e de dinheiro num país evangelizado algumas vezes talvez seja necessária para facilitar o crescimento da igreja nacional em autonomia, e para liberar recursos para áreas ainda não evangelizadas. Deve haver um fluxo cada vez mais livre de missionários entre os seis continentes num espírito de abnegação e prontidão em servir. O alvo deve ser o de conseguir por todos os meios possíveis e no menor espaço de tempo, que toda pessoa tenha a oportunidade de ouvir, de compreender e de receber as boas novas. Não podemos esperar atingir esse alvo sem sacrifício. Todos nós estamos chocados com a pobreza de milhões de pessoas, e conturbados pelas injustiças que a provocam. Aqueles dentre nós que vivem em meio à opulência aceitam como obrigação sua desenvolver um estilo de vida simples a fim de contribuir mais generosamente tanto para aliviar os necessitados como para a evangelização deles.


10. Evangelização e Cultura:

O desenvolvimento de estratégias para a evangelização mundial requer metodologia nova e criativa. Com a bênção de Deus, o resultado será o surgimento de igrejas profundamente enraizadas em Cristo e estreitamente relacionadas com a cultura local. A cultura deve sempre ser julgada e provada pelas Escrituras. Porque o homem é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e em bondade; porque ele experimentou a queda, toda a sua cultura está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca. O evangelho não pressupõe a superioridade de uma cultura sobre a outra, mas avalia todas elas segundo o seu próprio critério de verdade e justiça, e insiste na aceitação de valores morais absolutos, em todas as culturas. As missões, muitas vezes têm exportado, juntamente com o evangelho, uma cultura estranha, e as igrejas, por vezes, têm ficado submissas aos ditames de uma determinada cultura, em vez de às Escrituras. Os evangelistas de Cristo têm de, humildemente, procurar esvaziar-se de tudo, exceto de sua autenticidade pessoal, a fim de se tornarem servos dos outros, e as igrejas têm de procurar transformar e enriquecer a cultura; tudo para a glória de Deus.


11. Educação e Liderança:

Confessamos que às vezes temos nos empenhado em conseguir o crescimento numérico da igreja em detrimento do espiritual, divorciando a evangelização da edificação dos crentes. Também reconhecemos que algumas de nossas missões têm sido muito remissas em treinar e incentivar líderes nacionais a assumirem suas justas responsabilidades. Contudo, apoiamos integralmente os princípios que regem a formação de uma igreja de fato nacional, e ardentemente desejamos que toda a igreja tenha líderes nacionais que manifestem um estilo cristão de liderança não em termos de domínio, mas de serviço. Reconhecemos que há uma grande necessidade de desenvolver a educação teológica, especialmente para líderes eclesiáticos. Em toda nação e em toda cultura deve haver um eficiente programa de treinamento para pastores e leigos em doutrina, em discipulado, em evangelização, em edificação e em serviço. Este treinamento não deve depender de uma metodologia estereotipada, mas deve se desenvolver a partir de iniciativas locais criativas, de acordo com os padrões bíblicos.


12. Conflito Espiritual:

Cremos que estamos empenhados num permanente conflito espiritual com os principados e postestades do mal, que querem destruir a igreja e frustrar sua tarefa de evangelização mundial. Sabemos da necessidade de nos revestirmos da armadura de Deus e combater esta batalha com as armas espirituais da verdade e da oração. Pois percebemos a atividade no nosso inimigo, não somente nas falsas ideologias fora da igreja, mas também dentro dela em falsos evangelhos que torcem as Escrituras e colocam o homem no lugar de Deus. Precisamos tanto de vigilância como de discernimento para salvaguardar o evangelho bíblico. Reconhecemos que nós mesmos não somos imunes ao perigo de capitularmos ao secularismo. Por exemplo, embora tendo à nossa disposição pesquisas bem preparadas, valiosas, sobre o crescimento da igreja, tanto no sentido numérico como espiritual, às vezes não as temos utilizado. Por outro lado, por vezes tem acontecido que, na ânsia de conseguir resultados para o evangelho, temos comprometido a nossa mensagem, temos manipulado os nossos ouvintes com técnicas de pressão, e temos estado excessivamente preocupados com as estatísticas, e até mesmo utilizando-as de forma desonesta. A igreja tem que estar no mundo; o mundo não tem que estar na igreja.


13. Liberdade e Perseguição:

É dever de toda nação, dever que foi estabelecido por Deus, assegurar condições de paz, de justiça e de liberdade em que a igreja possa obedecer a Deus, servir a Cristo Senhor e pregar o evangelho sem impedimentos. Portanto, oramos pelos líderes das nações e com eles instamos para que garantam a liberdade de pensamento e de consciência, e a liberdade de praticar e propagar a religião, de acordo com a vontade de Deus, e com o que vem expresso na Declaração Universal do Direitos Humanos. Também expressamos nossa profunda preocupação com todos os que foram injustamente encarcerados, especialmente com nossos irmãos que estão sofrendo por causa do seu testemunho do Senhor Jesus. Prometemos orar e trabalhar pela libertação deles. Ao mesmo tempo, recusamo-nos a ser intimidados por sua situação. Com a ajuda de Deus, nós também procuraremos nos opor a toda injustiça e permanecer fiéis ao evangelho, seja a que custo for. Não nos esqueçamos de que Jesus nos previniu de que a perseguição é inevitável.


14. O Poder do Espírito Santo:

Cremos no poder do Espírito Santo. O pai enviou o seu Espírito para dar testemunho do seu Filho. Sem o testemunho dele o nosso seria em vão. Convicção de pecado, fé em Cristo, novo nascimento cristão, é tudo obra dele. De mais a mais, o Espírito Santo é um Espírito missionário, de maneira que a evangelização deve surgir espontaneamente numa igreja cheia do Espírito. A igreja que não é missionária contradiz a si mesma e debela o Espírito. A evangelização mundial só se tornará realidade quando o Espírito renovar a igreja na verdade, na sabedoria, na fé, na santidade, no amor e no poder. Portanto, instamos com todos os cristãos para que orem pedindo pela visita do soberano Espírito de Deus, a fim de que o seu fruto todo apareça em todo o seu povo, e que todos os seus dons enriqueçam o corpo de Cristo. Só então a igreja inteira se tornará um instrumento adequado em Suas mãos, para que toda a terra ouça a Sua voz.


15. O Retorno de Cristo:

Cremos que Jesus Cristo voltará pessoal e visivelmente, em poder e glória, para consumar a salvação e o juízo. Esta promessa de sua vinda é um estímulo ainda maior à evangelização, pois lembramo-nos de que ele disse que o evangelho deve ser primeiramente pregado a todas as nações. Acreditamos que o período que vai desde a ascensão de Cristo até o seu retorno será preenchido com a missão do povo de Deus, que não pode parar esta obra antes do Fim. Também nos lembramos da sua advertência de que falsos cristos e falsos profetas apareceriam como precursores do Anticristo. Portanto, rejeitamos como sendo apenas um sonho da vaidade humana a idéia de que o homem possa algum dia construir uma utopia na terra. A nossa confiança cristã é a de que Deus aperfeiçoará o seu reino, e aguardamos ansiosamente esse dia, e o novo céu e a nova terra em que a justiça habitará e Deus reinará para sempre. Enquanto isso, rededicamo-nos ao serviço de Cristo e dos homens em alegre submissão à sua autoridade sobre a totalidade de nossas vidas.


Conclusão:

Portanto, à luz desta nossa fé e resolução, firmamos um pacto solene com Deus, bem como uns com os outros, de orar, planejar e trabalhar juntos pela evangelização de todo o mundo. Instamos com outros para que se juntem a nós. Que Deus nos ajude por sua graça e para a sua glória a sermos fiéis a este Pacto! Amém. Aleluia!

[Lausanne, Suíça, 1974]