27 de maio de 2008

A estória do novelinho de lã.

Um novelinho de lã caiu
O gatinho logo o viu.
Brincou... brincou... brincou...
Pobre gatinho na lá se enrolou.
E tenta de cá... E tenta de lá....
Do novelinho se libertar.
Mas cada vez que o gatinho mexia
A lãnzinha nele mais o prendia.
O gatinho miou.
Mas a lã nem se importou.
Ele quis mostrar que era forte
Só que o novelinho já tinha dado o bote.

E pensar que tudo começou com uma brincadeira...
Uma simples brincadeira de gato.
Para o seu conforto viu outros gatos na mesma situação
e acabou chegando em uma conclusão:
“Gato que é gato, precisa viver enrolado”.

20 de maio de 2008

Trecho do livro: Crônicas de Nárnia - O Sobrinho do Mago.


– Tragam aquela criatura – disse Aslam.

Um dos elefantes levantou tio André com a tromba e o colocou aos pés do Leão. O homem estava apavorado demais para mover-se.

– Por favor, Aslam – falou Polly –, poderia dizer uma coisa que... desapavorasse ele? E depois poderia dizer algo que o impedisse de voltar a este lugar?

– E acha que ele ainda quer voltar? – indagou Aslam.

– O caso é que ele quer mandar outra pessoa; está muito entusiasmado com a barra de ferro que virou poste e acha...

– O que ele está pensando é uma grande tolice – interrompeu Aslam. – Este mundo só estará explodindo de vida por poucos dias, pois a canção com que o chamei à vida ainda vibra no ar e retumba na terra. Não será por muito tempo. Mas não posso dizer isso a este velho pecador, como também não posso consolá-lo; ele mesmo se colocou fora do alcance da minha voz. Se eu lhe falasse, ouviria apenas rosnado e rugido. Oh, Filhos de Adão, com que esperteza vocês se defendem daquilo que lhes pode fazer o bem! Mas eu lhe ofertarei a única dádiva que é capaz de receber.

Inclinou a grande cabeça, quase com tristeza, e soprou no rosto aterrorizado do feiticeiro.

– Durma. Afaste-se por algumas horas de todos os tormentos que forjou para si mesmo.

Tio André caiu embolado, já de olhos cerrados, e começou a ressonar tranqüilamente.

– Levem-no e deixem que durma em paz.

14 de maio de 2008

COTIDIANO

Parecia que desta vez a flecha do cupido o tinha atingido em cheio. O coração de João batia forte como a bateria da sua escola de samba preferida. Mas a música que ele escolheu para tocar naquele instante em seu interior não tinha nada a ver com o samba, era uma balada romântica de uma banda estrangeira. A vantagem dessas músicas em outro idioma é que não entendendo o que trata a letra à alma fica livre para traduzir como bem queira. Tanto que no dia seguinte João não teve a menor curiosidade de saber o que de fato dizia, assim continuaria valendo a sua tradução. A tradução melodiosa mexia com a alma de João, pois como sabemos ninguém consegue ficar parado quando a música toca, principalmente quando o que ela diz tem a ver com o coração. Naquele dia podia ver nitidamente o efeito que ela trazia pra João. O pé batia seguindo o compasso. O corpo mexia em sinal de inquietação, pois queria dançar no que era impelido por João. Há! Vale lembrar que minutos antes, João lerá um conto clichê de um conhecido meu. Só basta saber se terá o mesmo fim de novela deste conto. O personagem tem o mesmo nome de João, basta saber se João terá o mesmo fim do personagem.

Era uma manha ensolarada, o canto dos pássaros era abafado com as buzina histéricas dos carros. As pessoas esbarravam-se uma nas outras. Em vez de um “bom dia” ouvia-se fisionomias afetadas pela seriedade. Os taxistas discutiam se choveria naquela manha ou não. Os pombos esperavam a migalha do pão de cada dia. Estou descrevendo um pouco a cena para poderes visualizar onde o nosso amigo se encontrava. E é incrível que no meio de toda essa correria de cidade grande a poesia conseguiu um palco para celebrar mais uma de suas sonatas.

Sentado no banco da praça João avaliava os riscos. Será que valeria a pena entregar-se por completo e cair na dança? Certa vez, li num livro que “nunca se pode saber aquilo que se deve querer, pois só se tem uma vida e não pode nem compará-la com as vidas anteriores nem corrigi-la nas vidas posteriores”. Acredito que João também leu. Estava muito temeroso. Sua mão soava. Pensava se deveria ou não falar com aquela garota. Não sabia que decisão tomar, pois não tinha meios de saber o resultado de sua escolha. Mesmo sabendo que já tinha o NÃO como resposta, preocupava-se também com o SIM, pois o SIM acarretaria mudanças no seu estilo de vida. Mudanças para MELHOR ou PIOR. Não tem como saber, ainda mais que tudo na vida é vivido pela primeira vez. Gosto de comparar a vida com uma peça de teatro no qual o enredo se desenrola na base da improvisação. Seria muito bom se o script nos fosse dado já pronto. Azar teria aquela pessoa que recebesse o papel de vilão.

João estava diante de um sentimento de maior grandeza. Viveria a poesia que tanto admirava e lia nos livros de Vinícius de Moraes e Pablo Neruda? Será que submeteria sua sorte às lacunas do acaso? Á mercê dos sentimentos sem tradução? Só há uma pessoa que poderia nos responder... O próprio João. E lá estava ele, perdido em si, de olhar fixo ao outro lado da rua, onde se encontrava Vanessa, uma mulher que esbanjava simpatia, de longe dava pra sentir o perfume adocicado de sua pele morena clara, tinha o cabelo liso e um lindo sorriso. Vanessa aguardava no ponto o ônibus que iria para sua casa, enquanto João tirava suas próprias conclusões.

- Não! Não pode ser amor. Pois acabei de ver essa moça. Deve ser uma mera paixão. Ou não? Não sei.

Embora não conseguia se entender, uma coisa tinha como certeza: Não poderia deixar aquele momento passar. Talvez poderia ser a ultima vez que a viria. Talvez não. Como se sabe, não existe meio de saber. Assim, João decidiu tomar uma decisão. Levantou-se do banco e... Infelizmente foi interrompido pela covardia. Essa colocou temores no seu coração. João sabia que não poderia ser deixar influenciar por esta. Só ele pra saber quantas oportunidades perderá na vida por causa do medo. Decidiu João que teria que lutar.
- Eu vou lá e seja o que Deus quiser.
- E se a ultima pétala for o malmequer?

A dúvida era sempre o único inimigo que ele não conseguia vencer.
Refletia:

- Devo ou não ir de encontro e falar do que sinto a aquela mulher mesmo sem saber explicar o que sinto?

O nosso bom homem sabia que se não atravessasse aquela rua sua vida poderia continuar a mesma – acordar, comer, trabalhar e dormir –. Também poderia mudar. Talvez pra melhor, ou quem sabe, pra pior. Talvez fosse morto ao reagir o assalto no dia seguinte. O certo é que não saberíamos o certo, pois a vida é uma caixa de surpresa e cabe a nós abrir e ver o seu conteúdo. Uns abrem rasgando a embalagem, já outros abrem com a maior cautela.

João procurava uma resposta para a sua dúvida. Será que é amor, ou uma simples atração por ser a moça bela? Pensava na linda estória de um casal chamado João e Vanessa. Eles tinham dois filhos, a menina era sorridente como a mãe e o menino, brincalhão como o pai. Uma família feliz. Família era tudo que João queria e nunca teve, pois perdeu seus pais logo cedo. Enquanto sonhava acordado, calculava, seria bom ou mal falar com aquela mulher.

Qual ser humano jamais lastimou uma decisão tomada, como uma discussão que poderia ser evitada, um amor a quem nunca teve coragem de se declarar e acaba perdendo. E isso que João não queria, tomar uma decisão e depois se arrepender. Mas não tem jeito, ou arremessamos os dados ou perdemos a nossa vez na rodada. Esse é o preço da liberdade. Os seres humanos nunca imaginaram que a liberdade fosse tão complicada. Em Irmãos Karamazov, do Dostoievski, há um diálogo interessante entre o Grande Inquisidor e Cristo. Este ordena que Jesus seja preso e trazido à sua presença no qual profere a sua acusação:

“Não há nada mais sedutor aos olhos dos homens do que a liberdade de consciência, mas também não há nada mais terrível. E em lugar de pacificar a consciência humana de uma vez por todas, mediante sólidos princípios, tu lhes ofereceste o que há de mais estranho, de mais enigmático, de mais indeterminado, tudo o que ultrapassava as forças humanas, a liberdade. Agiste, pois, como se não amasses os homens. [...] Em vez de te apoderares da liberdade humana, tu a multiplicaste e, assim fazendo, envenenaste com tormentos a vida do homem, para toda a eternidade”.

O Grande Inquisidor estava certo. As pessoas não querem ser livres, querem viver em seus abrigos seguros. Por mais que digam amar a liberdade, na hora de fazer uso dela, temem. Todos nós preferimos o conforto à aventura. Não poderia ser diferente com João. Ele chegou as suas conclusões e convenceu-se que o sentimento sem tradução era no fundo algo normal. Fazia parte da vida. Assim achou por bem não se arriscar. A música continuou a tocar, mas João desconversou, aproximou-se do taxista e disse que choveria. E nós, ficaremos sem saber o que poderia ter acontecido. Qual seria o final desse amor platônico à primeira vista? Fica a interrogação. Fazer o que se João preferiria viver de sonhos a encarar a realidade. Não existe meio de verificar se a decisão foi boa ou má, e nunca saberemos (Ainda não inventarão a máquina do tempo). Seria boa a vida de João com a Vanessa? Talvez. Vai saber! O melhor é que venhamos a viver sem pensar no que passou.

8 de maio de 2008

Fernando Pessoa: Ah, quanta vez, na hora suave.

AH, quanta vez, na hora suave
Em que me esqueço,
Vejo passar um vôo de ave
E me entristeço!

Por que é ligeiro, leve, certo
No ar de amavio?
Por que vai sob o céu aberto
Sem um desvio?

Por que ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade

Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minh'alma alheia

Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do vôo suave
Dentro em meu ser.